quinta-feira, abril 29, 2004


Amor e Sexo

(...)"Amor é propriedade. Sexo é posse. Amor é a lei; sexo é
invasão.
O amor é uma construção do desejo. Sexo não depende de nosso
desejo; nosso desejo é que é tomado por ele. Ninguém se masturba por amor.
Ninguém sofre com tesão. Amor e sexo, são como a palavra farmakon em grego:
remédio ou veneno - depende da quantidade ingerida.
O sexo vem antes. O amor vem depois. No amor perdemos a cabeça,
deliberadamente. No sexo, a cabeça nos perde. O amor precisa do
pensamento.
No sexo, o pensamento atrapalha. O amor sonha com uma grande
redenção. O sexo sonha com proibições; não há fantasias permitidas.
O amor é o desejo de atingir a plenitude. Sexo é a vontade de se
satisfazer com a finitude. O amor vive da impossibilidade - nunca é totalmente satisfatório. O sexo pode ser, dependendo da posição adotada. O amor pode atrapalhar o sexo. Já o contrário não acontece. Existe amor com sexo, claro, mas nunca gozam juntos. O amor é mais narcisista, mesmo entrega, na 'doação'Sexo é mais democrático, mesmo vivendo do egoísmo. Amor é
um texto.
Sexo é um esporte. Amor não exige a presença do 'outro'. O sexo, mesmo solitário, precisa de uma 'mãozinha'. Certos amores nem precisam de parceiro; florescem até na maior solidão e na saudade. Sexo, não - é mais realista. Nesse sentido, amor é uma busca de ilusão. Sexo é uma
bruta vontade de verdade.
O amor vem de dentro, o sexo vem de fora. O amor vem de nós. O sexo vem dos outros. 'O sexo é uma selva de epilépticos' (N. Rodrigues). O amor inventou a alma, a moral. O sexo inventou a moral também, mas do lado de fora de sua jaula, onde ele ruge. O amor tem algo de ridículo, de patético, principalmente nas grandes paixões. O sexo é mais quieto, como um
caubói - quando acaba a valentia, ele vem e come. Eles dizem: 'Faça amor, não faça a
guerra'. Sexo quer guerra. O ódio mata o amor, mas o ódio pode acender o sexo.
Amor é egoísta; sexo é altruísta. O amor quer superar a morte. No sexo a
morte está ali, nas bocas. O amor fala muito. O sexo grita, geme, ruge, mas
não se explica. O sexo sempre existiu - das cavernas do paraíso até as
saunas relax for men'. Por outro lado, o amor foi inventado pelos poetas
provençais do século XII e, depois, relançado pelo cinema americano da moral cristã. Amor é literatura. Sexo é cinema. Amor é prosa; sexo é poesia.
Amor é mulher; sexo é homem - o casamento perfeito é do travesti consigo
mesmo. O amor tomado protege a produção; sexo selvagem é uma ameaça ao bom
funcionamento do mercado. Por isso, a única maneira de controlá-lo é
programá-lo, como faz a indústria da sacanagem. O mercado programa nossas fantasias. Não há 'saunas relax' para o amor, onde o sujeito entre e se apaixone. No entanto, em todo bordel, finge-se um 'amorzinho' para iniciar.
O amor virou um estímulo para o sexo. O problema do amor é que dura muito,
já o sexo dura pouco. Amor busca uma certa 'grandeza'. O sexo é mais embaixo. O perigo do sexo é que você pode se apaixonar. O perigo do amor é virar amizade. Com camisinha, há 'sexo seguro', mas não há camisinha para o amor.
O amor sonha com a pureza. Sexo precisa do pecado. Amor é a lei. Sexo é a
transgressão. Amor é o sonho dos solteiros. Sexo, o sonho dos casados. Amor
precisa do medo, do desassossego. Sexo precisa da novidade, da surpresa. O grande amor só se sente na perda. O grande sexo sente-se na tomada de poder.
Amor é de direita. Sexo, de esquerda - ou não, dependendo do momento político. Atualmente, sexo é de direita. Nos anos 60, era o contrário. Sexo era revolucionário e o amor era careta".
(Arnaldo Jabor)

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